Além de apontar baixa execução orçamentária em 2020, Arlete Sampaio afirmou ainda que o recurso previsto para a próximo ano será reduzido em 8%.

O contingenciamento de recursos para políticas voltadas a crianças, adolescentes e jovens foi a principal preocupação apontada por gestores, ativistas e deputados em audiência pública remota da Câmara Legislativa (CLDF), realizada na noite desta quarta-feira (5), sob o tema "Orçamento Público e os Direitos Humanos de Crianças, Adolescentes e Jovens no Distrito Federal". De acordo com dados apresentados pela deputada Arlete Sampaio (PT), o Governo do Distrito Federal (GDF) ainda não "entregou" 20,6% dos recursos do Orçamento para Crianças e adolescente (OCA) deste ano. "Há quase R$ 25 milhões do OCA bloqueados pelo GDF, em grande parte nas secretarias de Educação e de Esporte", criticou a distrital.

Arlete afirmou ainda que o recurso previsto para a próximo ano será reduzido em 8%: "Isso significa que as políticas públicas voltadas para crianças, adolescentes e jovens não estão sendo realizadas". O autor da iniciativa, deputado Fábio Félix (Psol), ressaltou que a Câmara Legislativa está "num momento decisivo para debater o orçamento" e que é necessário "disputar" os recursos: "Não tem política pública que funcione no país ou em nossa cidade sem orçamento". Para o deputado Leandro Grass (Rede), o próprio GDF infringe a lei ao não cumprir com os gastos do OCA, que são impositivos. "Outras coisas estão tendo mais importância, estão absorvendo mais dinheiro do que educação, projetos de cultura, de assistência social, programas de justiça e cidadania, de profissionalização, lazer para vocês", avaliou.

Morador do Paranoá Parque, Andrey Nascimento, 15 anos, destacou a importância de se cumprir a Lei nº 10.639/2003, que obriga o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas escolas. "Cadê o capítulo no livro escolar que fala sobre Zumbi e Dandara, sobre os protagonistas negros? Somos 37 milhões de crianças e adolescentes negros no Brasil. No DF, 54% das crianças até 11 anos são negras. E entre os adolescentes e jovens de 15 a 29 anos, 61% são negros. Eles não aprendem nem a metade a história dos seus ancestrais na escola", argumentou.

A ativista e educadora comunitária do Sol Nascente Ayoola Christine falou sobre a violência sofrida pelas pessoas que vivem nas periferias, em particular os negros. Ela denunciou que "os direitos das nossas crianças são violados pelo estado ainda durante à gestação", devido à violência obstétrica. No entanto, os problemas poderiam ser minimizados, segundo ela, se houvesse mais recurso para as políticas públicas. "Dos R$ 28 milhões para construção de creches e escolas de educação infantil, apenas R$ 4 milhões foram utilizados. Dos R$ 3,5 milhões para as escolas fundamentais, foram usados menos de R$ 50 mil, na metade da gestão atual. Se o Estado não sabe como e onde usar esse recurso, estamos aqui para mostrar e as demandas são muitas", reforçou.

O professor Ruan Ítalo, 25 anos, do povo Guajajara e morador de Samambaia, ressaltou a diversidade étnico-racial do DF que precisa ser evidenciada. "Se não há dados, não há políticas públicas. Precisamos de políticas públicas voltadas para as nossas especificidades". Ele afirmou que não há previsão orçamentária voltada para os povos indígenas e também cobrou a execução da Lei 10.639: "Que nossa história seja falada, não mais silenciada".

A educadora popular, cientista, travesti e moradora de Planaltina Eulla Brennequer, 27 anos, defendeu o fortalecimento do Ensino para Jovens e Adultos, que, segundo ela, sofrerá redução de 17,5% no orçamento do próximo ano. Também criticou a previsão de apenas R$ 10 mil para o combate a LGBTFobia. "No país que mais mata transvestis, nada foi executado. Queremos estar na escola, na universidade, mas para isso precisamos estar vivas e essa orçamento não garante a nossa sobrevivência".

O quilombola de Mesquita (Goiás), Walisson Braga, 23 anos, relatou que os moradores da sua comunidade não contam com serviços públicos: "Sempre nos dizem: não podemos fazer nada porque vocês são uma comunidade quilombola. Ainda vivem uma visão estereotipada de quilombo. Quando procuramos o DF, temos o acesso negado". Para o pesquisador e morador da Estrutural Fábio William, 25 anos, é necessário que os dados sobre orçamento sejam simplificados para que o público jovem possa acompanhar. "Como vamos poder monitorar as políticas públicas e o orçamento público se não temos acesso fácil a esses dados?" – questionou.

Cobrança para execução orçamentária

O subsecretário de Políticas para Crianças e Adolescentes da Secretaria de Justiça, Emílio Evaristo, salientou que o momento é de evitar retrocessos nas políticas voltadas aos jovens e crianças e parabenizou os distritais: "Eu vejo o DF hoje com uma legislatura bem ativa acerca da criança e do adolescente. A gente pode pensar em avanços, inclusive nestes termos do orçamento nas demandas colocadas aqui hoje". O presidente do Conselho do Direito da Criança e do Adolescente, Coracy Coelho, frisou que há uma legislação consolidada no DF como, entre outras conquistas, a proibição do contingenciamento do OCA. No entanto, ele ressaltou que é "preciso cobrar para que de fato os recursos não deixem de ser executados". Segundo ele, o OCA sofrerá redução de R$ 200 milhões em 2021.

A gerente de Educação e Direitos Humanos e Diversidade da Secretaria de Educação, Simone Soares Nogueira, disse que a pasta promove o fortalecimento da dimensão cidadã dos estudantes, com ênfase nos direitos humanos e na diversidade. Também, que as escolas fazem parte de uma rede de proteção social contra as violências de LGBTfobia e o racismo estrutural. "Estou aqui para ouvir. Nós que estamos do lado daqui das instituições, precisamos então acolher e conduzir essa demanda para resoluções palpáveis nas nossas políticas públicas" – frisou.

Mario Espinheira
Imagem: Reprodução/TV Web CLDF
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