As cirurgias foram de coração (18), rim (27), fígado (46) e córnea (225). Mais de 900 pessoas ainda aguardam na fila por um doador.

De um lado, dois jovens recebem a notícia da morte cerebral da mãe e precisam decidir se doam ou não os órgãos. Do outro, centenas de pessoas aguardam um “sim’ como resposta para serem transplantadas e seguir vivendo. No Distrito Federal, 901 pessoas estão nesta espera, a maioria aguardando rim (532) e córnea (314). Nos primeiros seis meses deste ano, já foram realizados 316 transplantes de rim (27), fígado (46), coração (18) e córnea (225).

Para que seja possível a doação, é preciso comprovar a morte encefálica, por meio de um protocolo complexo. “São realizados três exames por médicos diferentes, com intervalo mínimo de uma hora entre eles, para avaliar se o cérebro da pessoa ainda é capaz de mantê-la viva”, explica a diretora substituta da Central Estadual de Transplantes, Joseane Gomes Fernandes Vasconcellos. “Com a confirmação de que não há atividade elétrica ou fluxo sanguíneo no cérebro, é constatada a morte encefálica”, complementa.

Em caso de parada cardiorrespiratória, podem ser retiradas as córneas para transplante. “Poderia ser doado pele e osso, também, mas, no DF, não temos, ainda, condições de retirar esses outros tecidos”. Com regularidade, na capital do país são retirados coração, fígado, rins e córneas dos doadores falecidos. A legislação no Brasil determina, desde 2001, que a doação deve ser autorizada pela família do paciente. Então, é fundamental que a pessoa informe aos familiares sobre seu interesse em ser um doador de órgãos.

A estudante de Farmácia Loyane Mayara, 27 anos, passou por um transplante de córneas. Foto: Breno Esaki/Secretaria de Saúde

“O familiar pode informar aos profissionais de saúde do local de internação do paciente sobre o interesse em doar os órgãos. A equipe da unidade aciona a Comissão Intra-hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante para realizar a entrevista com a família, orientar todos os procedimentos e colher a assinatura para autorização”, explica.

Ela esclarece, ainda, que, em caso de doação dos órgãos, o DF não transplanta aqui. Mas é possível vir uma equipe de captação de outro estado para fazer o procedimento, desde que haja logística favorável. Mesmo assim, o DF é a unidade da Federação que realiza o maior número de transplantes de coração e de fígado proporcionalmente ao número de habitantes (por milhão de população).

Córnea

No final do ano passado, a estudante de Farmácia Loyane Mayara, 27 anos, passou por um transplante de córneas. Portadora de ceratocone desde os 12 anos, ela esperava pelo procedimento desde janeiro de 2018. A visão já estava bastante debilitada. Receber a doação mudou completamente sua vida. 

“Precisei trancar a faculdade, pois as notas estavam ficando baixas e eu não conseguia pegar ônibus. Voltar a enxergar, após o transplante, me possibilitou estudar e fazer novas amizades, pois muita gente não se aproximava de mim porque achava que eu era metida por não cumprimentá-las. Mas eu apenas não as enxergava.”

Loyane ficou tão agradecida que escreveu uma carta na tentativa de conhecer a família dos doadores. “Mas não tive retorno, ainda. Entendo que a perda de alguém deve ser muito triste, mas o ato deles foi muito importante. A doação de órgão devolve a dignidade a muitas pessoas que ficam debilitadas em razão de seu problema de saúde”, frisa.

Medula óssea

No DF, são realizados os transplantes de coração, fígado, rins e córneas de doadores falecidos. Aqui, também são feitos transplantes de medula óssea, que seguem outro processo para a doação: pode ser realizado com células do próprio paciente, de doador aparentado ou de doador anônimo cadastrado no Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome).

O procedimento é feito, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), no Instituto de Cardiologia do DF (ICDF), Hospital de Base e Hospital Universitário de Brasília (HUB). “O ICDF realiza transplantes de coração, fígado, rins e córneas, além do de medula óssea. O Base e o HUB fazem transplantes de rins e córneas”, complementa Josiane.

Em 2018, foram registrados 53 doadores de órgãos, além de 251 apenas de córnea. Foram feitos 302 transplantes de córnea, 55 de rim de doador falecido, dez transplantes de rim de doador vivo, 86 de fígado e 34 transplantes de coração.

Entre os beneficiados estava Gisele Lacerda das Chagas, 29 anos. Depois de três anos esperando por um rim, recebeu o órgão há dez meses. “Fiz quatro anos de diálise peritoneal. Depois de ser transplantada, o melhor é ter a liberdade de uma vida normal, sem parar para a diálise”, comemora.

Fígado

Segundo Joseane, no DF houve mais transplantes de fígado do que doadores. “Alguns foram captados pela equipe do DF em estados das regiões Centro-Oeste e Norte, mediados pela Central Nacional de Transplantes (CNT). E foram transplantados aqui, porque esses estados não realizam essa modalidade de procedimento”, detalha.

Ela explica que isso é possível porque o tempo entre a retirada do órgão e o transplante é compatível com o tempo de voo regular de empresas aéreas. Elas transportam as equipes e os órgãos por causa um termo de cooperação firmado com o Ministério da Saúde. “Em alguns casos, a CNT viabiliza o transporte com voo da Força Aérea Brasileira”, falou.

Entre os receptores de um novo fígado estava Carlos Borges da Silva. Depois de uma cirrose hepática, causada por excesso de bebida alcoólica, precisou do transplante e aguardou dois anos até que esse dia chegasse. “O tempo vai passando e a gente vai ficando cada dia mais frágil. Quando me ligaram para marcar a cirurgia, foi uma mistura de medo e expectativa. Mesmo esperando tanto por aquele momento, dá um certo medo”, relembra ele, que ainda se recupera do procedimento, realizado há dois meses.

* Com informações da SES