Segurança: essa é a palavra que pode dar muita dor de cabeça ao Governo de Brasília em agosto. A menos de um mês do início dos Jogos Olímpicos Rio 2016, a população da capital, que sediará dez partidas de futebol masculino e feminino, vê uma possibilidade de greve da Polícia Civil e uma operação tartaruga dos policiais e bombeiros militares.
Assim, pode estar comprometido o Plano Tático e Integrado de Segurança Pública e Defesa Civil para os jogos em Brasília, que foi assinado em março deste ano e prometia unificar o trabalho governamental. As forças de segurança têm algumas reclamações distintas, mas há um discurso unificado: o GDF não estaria dando abertura para o diálogo e para a resolução dos problemas.
Os policiais militares querem equiparação salarial com a Polícia Civil, ou seja, um aumento de 25,4%. Na ativa, são 15,3 mil policiais militares e cinco mil bombeiros. Ontem de manhã, ocorreu uma carreata de policiais e bombeiros para reivindicar junto ao governo e reclamar da falta de atenção.
A concentração foi no estacionamento do Estádio Mané Garrincha. De lá, partiram para a Esplanada, onde passaram pelo Congresso Nacional e finalizaram o ato em frente ao Palácio do Buriti. Durante o movimento, foram fechadas até duas faixas das vias do Eixo Monumental e da N1 e S1, causando transtorno ao trânsito.

De acordo com a assessoria de comunicação da PM, cerca de 300 veículos participaram do ato. Já os organizadores estimam que foram mais de 600 carros e 50 motos. As associações dos Praças, Policiais e Bombeiros Militares do Distrito Federal (Aspra) e a da Família do Policial e Bombeiro Militar (Asfan) foram as responsáveis pelo protesto de ontem.

Além do salário
O presidente da Aspra, sargento João de Deus, reclama que o governo prometeu que daria atenção aos policiais e bombeiros. Porém, na prática, não é o que está acontecendo.

Além do reajuste salarial, ele argumenta que há falta de equipamentos e problemas com o plano de saúde, que atualmente só funciona em dois hospitais.

“Operação Tartaruga” não é descartada

Devido aos problemas relatados pelos policiais militares, uma operação padrão, ou “tartaruga”, poderia ser promovida durante o período dos Jogos Olímpicos, o que comprometeria a segurança dos brasilienses e dos turistas. João de Deus, presidente da Aspra, afirma que não existe certeza do início de um movimento como este, apesar de a corporação estar desmotivada com a inércia do GDF.
“O governo virou as costas para a categoria. O policial fica desmotivado de fazer além do necessário. Acho que não há autoestima para se sobrecarregar durante as Olimpíadas porque o governo não vai ligar”, destaca.

“Responsabilidade”

A outra associação que encabeça o movimento é a Asfan, que existe desde 2013 e diz promover a construção do diálogo entre a polícia e a sociedade. Presidente da associação, o sargento Lusimar Arruda, mais conhecido como Jabá, é mais cauteloso e afirma que não há a intenção de fazer nenhuma operação durante os Jogos Olímpicos, mas diz que os policiais têm o direito de reivindicar com responsabilidade.
Segundo ele, a manifestação de ontem era para mostrar a insatisfação por meio de um manifesto pacífico e ordeiro. O integrante da Asfan diz que as categorias vão analisar primeiro o resultado da ação para depois ver outras formas de reclamar.

A iniciativa repercutiu nas ruas. O analista jurídico Irapuan Martins viu a carreata e se surpreendeu. Para ele, se o Brasil não tem capacidade de mostrar um bom serviço durante as Olimpíadas, fica difícil construir uma boa visão do País. “Segurança é o que mais preocupa o brasileiro”, avalia Martins.

Delegacias do DF em ritmo lento

Se uma paralisação dos militares ainda é incerta durante as Olimpíadas, a Polícia Civil dá pelo menos a certeza da diminuição do serviço. De acordo com o presidente do Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol), Rodrigo Franco, desde o último dia 4, os servidores trabalham em um ritmo de trabalho “adequado às condições que o GDF permite”.
“A PCDF está sucateada. Trabalhamos com coletes vencidos, as armas têm apresentado falhas, a munição é escassa, além de várias delegacias que precisam de reformas. Faltam até materiais de escritório” afirma Franco.

Para o sindicato, é necessário um aumento de 50% no efetivo. Hoje, 4,5 mil servidores trabalham como delegados, escrivães ou agentes, sendo que o necessário seriam pelo menos 8,9 mil. “Não descartamos uma greve nesse período (das Olimpíadas). Há vários setores da polícia que já querem entrar em greve agora”, diz Franco.
Ele informa que, por mês, a PCDF produz cerca de 30 mil provas testemunhais (como depoimentos). Mas, com a redução do trabalho, as provas cairão para três ou quatro mil. Assim, alguns processos podem ser comprometidos no futuro.
Não há previsão para o fim do movimento. Para Rodrigo Franco, não há perspectiva de melhoras, pois o diálogo que o governo busca manter é “zero”.

Sem folga
Quanto à PM, além da falta de conversa, um fato que complicou ainda mais a relação com o GDF foi a suspensão das folgas entre 20 de julho e 20 de agosto. “É o cúmulo do absurdo. Não estamos em um estado de emergência ou de calamidade. Por que os policiais vão ser retirados de sua folga? Se houvesse real necessidade, estaríamos dispostos e preparados. Por que não cumprir a carga horária normal?”, refuta o presidente da Aspra, João de Deus.
Ele acionará os poderes Legislativo e Judiciário para tentar suspender o efeito dessa norma.

Deputado federal cobra mais diálogo

Participante da carreata dos militares, o deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF) ficou durante boa parte da manifestação em cima do caminhão de som. Ele disse que os servidores precisam pedir desculpa pelo transtorno no trânsito, mas que não havia outro jeito, já que o militar não pode fazer greve.
Fraga aponta que um dos motivos para o movimento é que o governo discrimina a categoria. Para o deputado, houve aumento para vários servidores, mas, para os militares, não houve sequer a possibilidade de reajuste para próximos anos. “Essa categoria merece respeito. Ele (Rollemberg) não conversa com ninguém. Ele se tranca naquela sala e não conversa”, acusa.

Versão oficial

Contrariando o que dizem os servidores, a Secretaria de Segurança Pública e da Paz Social tranquiliza a população, garantindo que a segurança não estará de modo algum comprometida durante as Olimpíadas. A SSP tem certeza de que os policiais civis agirão “de acordo com a responsabilidade legal e social de seu trabalho, fundamental para o andamento da Justiça”.

A pasta também informa que as folgas e as licenças da Polícia Militar estarão suspensas apenas durante o período dos Jogos Olímpicos em Brasília, “medida que se justifica plenamente devido à importância e à grandiosidade do evento”.

Lembrando que o mesmo procedimento foi adotado na Copa do Mundo de 2014. A Casa Civil do DF, por sua vez, informou que não se manifestaria a respeito das reivindicações salariais porque a situação ainda é discutida internamente.