Conviver com as torneiras vazias uma vez por semana é um desafio para os brasilienses. O inédito racionamento na capital do Brasil provoca reações e consequências diversas: estoque de água por temor da ausência completa, captação por meio das chuvas de verão, vendas e prejuízos no comércio e até mesmo atendimento interrompido em unidades médicas. Ontem, a primeira leva de regiões viu o abastecimento retornar aos poucos, ao mesmo tempo em que outros moradores iniciaram a vivência na restrição hídrica. Será assim por tempo indeterminado.

Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do
Gama, Polo JK e Residencial Santa Maria passaram o dia sem água fornecida pela Caesb. A água estava escassa nas torneiras dessas regiões enquanto Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II tinham o abastecimento retomado gradativamente. Hoje é a vez do Gama.

O rodízio acontece com ciclo de um dia sem abastecimento, dois dias para religar e estabilizar o sistema, e três de situação normalizada. As áreas afetadas são aquelas atendidas pelo Reservatório do Descoberto, que, ontem, tinha índice de 19,46%.
São elas Águas Claras, Candangolândia, Ceilândia, Gama, Guará, Núcleo Bandeirante, Park Way, Recanto das Emas, Riacho Fundo I, Riacho Fundo II, Santa Maria, Samambaia, Taguatinga e Vicente Pires.
A medida foi anunciada por conta do índice abaixo da normalidade de chuvas. O Governo de Brasília ainda não estabeleceu uma data final para o regime de racionamento.

Apesar de o governo garantir que unidades de saúde e escolas seriam abastecidas com caminhões- pipa, a maior Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do DF, em Ceilândia, ficou com o abastecimento interrompido por quase 30 horas. Segundo funcionários, faltou até para higiene básica. O Sindicato dos Médicos (SindMédico) fez a denúncia e garantiu que a situação ocorreu em pelo menos em mais um lugar: no Centro de Saúde 4.

“É impensável que uma unidade de saúde passe por uma situação dessas”, criticou a professora Amanda Sales, 36 anos, que está com a avó internada na ala amarela da UPA. A idosa não recebeu o banho matutino. “Tem de haver alternativa para não desabastecer”, reclamou. O atendimento foi interrompido pela manhã e, à tarde, mesmo com três clínicos, a sala de espera estava lotada.

A Superintendência de Saúde da Região Oeste da Secretaria de Saúde informou que o atendimento ficou restrito a pacientes graves. “O fornecimento de água foi liberado às 8h, no entanto, não havia pressão suficiente para encher a caixa d’água. A Gerência da UPA fez dois chamados à Caesb, que enviou o novo caminhão-pipa por volta das 12h”, afirmou a pasta, em nota. A companhia admitiu “dificuldade” no abastecimento, mas garantiu caminhão-pipa para os próximos ciclos do plano de rodízio.

Alternativas

Se a correnteza formada a cada chuva que Vicente Pires recebe parasse na torneira, a região poderia escapar do racionamento. Enquanto os moradores enfrentavam as consequências das chuvas nas ruas, de nada adiantava abrir as torneiras. Pelo menos a água que cai do céu pode ser armazenada e utilizada. Foi o que fizeram alguns habitantes.

A autônoma Marlene Alves, 40 anos, rodou atrás de balde. Ela queria estocar água, contrariando a recomendação da Caesb, porque achava que seriam dois dias inteiros de torneiras vazias. “Como ficaria sem água?”, questionou. Vicente Pires, Ceilândia, Taguatinga… lugar algum tinha os recipientes para vender. “Encontrei bem depois, por até R$ 126. Caro demais, um absurdo como estão se aproveitando das dificuldades”, reclamou.

Mesmo assim, ela deu um jeito: usou as vasilhas e panelas para guardar água potável e captou água da chuva em um isopor. “Fiz janta que desse para almoço e limpei a casa. Para tomar, separei em uma garrafa térmica”, contou Marlene.

Quem já se preocupa com a reutilização da água não sofreu com a interrupção do fornecimento. Na casa de Camélia Araújo, 79, tem caixa d’água, mas a limpeza é feita com o volume que capta da chuva por meio das calhas do telhado, há quase três anos. “Faz parte da vida. Desde que começaram a falar de falta d’água, começamos a fazer esse tipo de coisa. O abatimento no consumo é de mais de R$ 100. Por isso, apesar do racionamento, a gente não sofre tanto”, explica.

Perdas e ganhos

Além do cotidiano doméstico, o racionamento afeta o comércio de maneira controversa. Enquanto estabelecimentos restringem os serviços ou esperam ajuda da chuva para estocar água, quem vende o galões, caixas d’água e tambores lucram. Em Vicente Pires, o comerciante Cosme Moraes, 47 anos, viu as vendas crescerem 133%.

No início da tarde, ele tinha vendido 20 galões de água mineral a mais que o normal e apenas seis ainda estavam disponíveis. “Os que vendi a mais foram todos para comércios que geralmente não pedem. Solicitei reforço no estoque, mas, por enquanto, está dando para atender”, contou. Para Adelmir Santana, presidente da Federação do Comércio (Fecomércio), os gastos extras dos estabelecimentos com a adaptação podem ser repassados aos consumidores finais.

Nas lojas de materiais de construção, as caixas de armazenamento tomaram lugar de protagonistas, com placas anunciando promoções que, às vezes, sequer condizem com a realidade. O aumento nas vendas ultrapassa os 200%.

Lentidão no retorno e água sujaFotografias circularam nas redes sociais. Foto: Divulgação

Depois de 24 horas sem água, moradores e comerciantes de Ceilândia, Recanto das Emas e Riacho Fundo II reclamaram da lentidão da normalização do abastecimento, o que já havia sido informado pela Caesb. Uma água marrom, no entanto, não estava nos planos dos brasilienses. Fotos de uma casa supostamente em Ceilândia, acompanhadas de um texto questionando a qualidade da água, foram compartilhadas nas redes sociais.

Segundo a companhia, não há motivo para se preocupar. “As equipes da Caesb fazem descargas em alguns pontos da rede para evitar esse tipo de mudança na coloração da água. Mesmo assim, esse fenômeno pode ocorrer em algum ponto ou outro. Isso não interfere na segurança da água quanto à questão da saúde”, esclareceu.

CRONOGRAMA

Hoje
Interrupção: Gama

Religação e estabilização: Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK, Residencial Santa Maria, Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II

Amanhã

Interrupção: Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste e Samambaia

Religação e estabilização: Gama, Vicente Pires, Colônia Agrícola Samambaia, Vila São José, Jóquei, Santa Maria, DVO, Sítio do Gama, Polo JK e Residencial Santa Maria

20 de janeiro (sexta-feira)

Interrupção: Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal e Riacho Fundo I

Religação e estabilização: Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste, Samambaia e Gama

21 de janeiro (sábado)

Interrupção: Águas Claras (zona alta), Concessionárias e Taguatinga Norte

Religação e estabilização: Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal, Riacho Fundo I, Águas Claras (zona baixa), Park Way, Núcleo Bandeirante, C.A. IAPI, Candangolândia, Setor de Postos e Motéis e Metropolitana, Vila Cauhy, Vargem Bonita, Ceilândia Leste e Samambaia

22 de janeiro (domingo)

Interrupção: Ceilândia Oeste, Recanto das Emas e Riacho Fundo II

Religação e estabilização: Águas Claras (zona alta), Concessionárias, Taguatinga Norte, Guará I e II, Polo de Modas, CABS, Lúcio Costa, SQB, CAAC, Taguatinga Sul, Arniqueiras, Areal e Riacho Fundo I