Alan Santos/Presidência Planalto
Um mapa das tensões na reunião em Nova York, marcada pela ameaça de desaceleração econômica e pelo incerto conflito no Oriente Médio.
A ameaçadora sombra de uma desaceleração econômica, a guerra comercial, o aquecimento global, o incerto conflito no Oriente Médio, a tensão na Venezuela, o Brexit… Diversas crises marcam a agenda da Assembleia Geral da ONU que começa nesta terça em Nova York. Aos assuntos mais evidentes se somam inesperados pontos de interesse, como uma reunião entre os líderes norte-americano e ucraniano, onde se buscarão chaves do enésimo escândalo interno Trump. A primeira jornada, com discursos de Bolsonaro, Trump, do egípcio Abdel Fatah al Sisi e do turco Recep Tayyip Erdogan, será uma oportunidade de comprovar que a polarizadora e populista figura do presidente do país anfitrião fez escola. Estes são alguns dos assuntos a não perder de vista em uma semana frenética:
A estreia de Bolsonaro
O polêmico presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, que não foi convidado para a cúpula do clima desta segunda-feira por flertar com o ceticismo ambiental, será o primeiro dos chefes de Estado a se dirigir ao mundo na Assembleia Geral da ONU. Um privilégio que não é resultado da ordem alfabética (encabeçada pelo Afeganistão e fechada pelo Zimbábue), de sua popularidade, do peso político ou econômico de seu país, mas da tradição. Abrirá esta 74ª sessão, como fazem os mandatários brasileiros desde 1955.
Um porta-voz do Itamaraty, o Ministério das Relações Exteriores, explica a origem dessa tradição não escrita que persiste desde a Guerra Fria: “Conta-se que, ao buscar um país disposto a falar diante das superpotências para evitar o conflito entre os Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas para a abertura da sessão, o Brasil aceitou ser o primeiro entre os oradores”.
Bolsonaro chega a Nova York ainda se recuperando da quarta intervenção cirúrgica em pouco mais de um ano devido ao atentado que sofreu na campanha e convertido em um dos mandatários mais criticados por seus tiques autoritários, sua nostalgia da ditadura e sua política ambiental. Ao lado dele, haverá cerca de 150 chefes de Estado. O brasileiro reduziu ao mínimo sua agenda, ainda pendente da inclusão de um almoço com Donald Trump.
Especialistas em relações internacionais apontam outro possível motivo dessa cortesia em relação ao Brasil. Foi um prêmio de consolação das grandes potências para o gigante latino-americano, que deixaram fora do Conselho de Segurança em 1948. Por isso, o Brasil forjou anos atrás uma aliança com a Índia, o Japão e a Alemanha, pela qual ainda reclamam uma reforma do clube dos cinco com direito a veto (EUA, Rússia, China, França e Reino Unido), com o argumento de que não representa a profunda mudança de forças sofrida pelo mundo nessas sete décadas. Os quatro países continuam batalhando pela ampliação do Conselho de Segurança e ter o poder de vetar resoluções.
O representante dos Estados Unidos, como país anfitrião, será o segundo orador. Dois mandatários pouco defensores de organismos multilaterais como a ONU e céticos com a crise climática abrirão as intervenções. Bolsonaro, que disse que iria à ONU mesmo que fosse de cadeira de rodas, tentará reduzir o tom sobre sua briga de galos com Macron em agosto, quando os incêndios na Amazônia alertaram o mundo. Quer “falar de patriotismo, de soberania, do que o Brasil representa para o mundo, de que é um país cujo povo é bem recebido em todo o mundo”.
Ucrânia. Uma nova frente interna para Trump
Em todas as frentes será crucial a postura de Trump, um líder que se caracteriza precisamente por seu desdém pelos organismos multilaterais. Falará com a Assembleia nesta terça-feira, em seu primeiro discurso internacional desde a demissão do falcão John Bolton do cargo de assessor de Segurança Nacional. Espera-se, segundo anteciparam fontes do Governo, que defenda a soberania e independência dos países da ONU, que defenda a proteção das liberdades religiosas e que apresente os Estados Unidos como “uma alternativa positiva ao autoritarismo”. Mas todos os olhos estarão voltados para sua reunião de quarta-feira com o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, em meio à crise desatada pela revelação de que Trump o pressionou a investigar negócios naquele país do filho do ex-vice-presidente Joe Biden, favorito democrata a enfrentá-lo nas urnas em 2020. O presidente afirmou no domingo que considera que suas conversas com Zelenski foram “absolutamente perfeitas”, mas os democratas veem novamente uma tentativa de Trump de procurar a ajuda de um país estrangeiro para sua reeleição.
Irã. A incógnita de Rohani
Depois de três anos de mandato marcados pelo mantra “A América em primeiro lugar”, Trump tratará de convencer os céticos líderes mundiais a construírem uma coalizão contra o Irã, a quem os EUA acusam pelo ataque com drones a instalações petrolíferas da Arábia Saudita em 14 de setembro. Aquela ação, definida pelo secretário de Estado Mike Pompeo como “um ato de guerra”, praticamente eliminou a possibilidade de uma reunião bilateral de Trump com o presidente Hasan Rohani, uma iniciativa na qual vinha se empenhando sobretudo o francês Emmanuel Macron. Mas com Trump nunca se sabe, pois já no domingo ele disse que “nunca nada está completamente fora da mesa”. O que parece claro é que a delegação norte-americana apresentará a seus aliados as provas sobre as quais sustenta sua acusação, e que Teerã nega. E Rohani, que fala na quarta-feira, provavelmente aproveitará para acusar os Estados Unidos de iniciarem o conflito ao se retirarem do acordo nuclear assinado em 2015 e reinstaurarem as sanções que destroem sua economia.
Reino Unido. Improváveis avanços no Brexit
O britânico Boris Johnson vai a sua primeira Assembleia Geral como primeiro-ministro em meio a uma profunda crise interna: a apenas um mês da data marcada para que seu país deixe a União Europeia, ainda sem um acordo à vista para isso, com o Parlamento fechado e pendente de que o Tribunal Supremo se pronuncie sobre Johnson extrapolou suas funções ao suspendê-lo (a decisão, na verdade, o apanhará em Nova York). O primeiro-ministro se reunirá com o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, e com outros líderes dos 27 países restantes na UE, como Macron, a alemã Angela Merkel e o irlandês Leo Varadkar. Será a primeira oportunidade para que os líderes europeus lhe solicitem pessoalmente detalhes sobre o plano, anunciado por Londres na semana passada, de uma possível solução para salvar o acordo de saída, resolvendo o complicado assunto da necessidade de evitar uma fronteira física na ilha da Irlanda.
Mas, à margem do ceticismo dos líderes europeus ante qualquer jogada do novo primeiro-ministro, o próprio Johnson advertiu, antes de embarcar para Nova York, que não considera muito provável que sua viagem proporcione um desbloqueio no enlameado Brexit. “Eu alertaria a todos contra a ideia de achar que este será o momento”, disse o líder tory aos jornalistas. “Não estou ficando pessimista. Vamos tentar, mas há trabalho por fazer”, acrescentou.
Venezuela. Dez meses de Guaidó como presidente interino
Quase dez meses transcorreram desde o surgimento de Juan Guaidó como presidente interino da Venezuela, como é reconhecido por mais de 50 Governos de todo o mundo. Não obstante, aos olhos da ONU, Nicolás Maduro continua sendo o mandatário venezuelano. Uma prova disso é que, salvo uma surpresa de última hora, quem falará na Assembleia Geral representando o país caribenho será o chanceler Jorge Arreaza.
Enquanto isso, os representantes de Guaidó prepararam uma ofensiva diplomática para tentar recuperar o impulso perdido ao longo dos meses. À frente da delegação de Guaidó se encontra Julio Borges, encarregado das relações exteriores. Borges, exilado em Bogotá, será acompanhado de outros deputados próximos a Guaidó que deixaram a Venezuela com medo de serem detidos, como é o caso de Miguel Pizarro, nomeado neste fim de semana como interlocutor da oposição ao chavismo na ONU, e José Andrés Mejía, assim como o embaixador designado, Carlos Vecchio. A delegação de Guaidó manterá uma série de encontros com representantes diplomáticos, como o chanceler espanhol, Josep Borrell, futuro chefe da diplomacia europeia, aos quais pretende insistir para que intensifiquem a pressão contra o Governo de Maduro.
América Latina. O desafio migratório
Um dos grandes ausentes na Assembleia será o presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, que não sai de seu país há quase dois anos e delegou a diplomacia ao chanceler Marcelo Ebrard. É uma ausência significativa, porque seria uma inédita intervenção do primeiro presidente esquerdista do México no plenário da ONU —e ainda mais quando o México enfrenta o maiúsculo desafio de lutar com Donald Trump no tema migratório.
O México se tornou uma espécie de muro com o qual os Estados Unidos freiam a passagem de migrantes centro-americanos para o seu território. O Governo de López Obrador, por sua vez, pretende desenvolver uma espécie de Plano Marshall para a América Central. Ebrard se empenhará a fundo nesta semana em obter todos os apoios possíveis —diplomáticos, mas sobretudo econômicos.
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