As irmãs nasceram unidas pela cabeça em junho do ano passado. Cirurgia inédita no DF ocorreu no último sábado. Caso havia sido mantido em sigilo até agora a pedido dos pais

Por Hellen Leite

Uma cirurgia delicadíssima e inédita no Distrito Federal, da qual dependia a vida de duas pequenas brasilienses muito especiais, ocorreu no ultimo sábado, 27 de abril, no Hospital da Criança de Brasília José Alencar. Depois de uma preparação de mais de um ano, uma equipe de médicos da cidade separou irmãs gêmeas que nasceram unidas pela cabeça. As meninas, agora, seguem em observação, cercadas de todos os cuidados, como vem acontecendo desde que exames de pré-natal mostraram que elas eram siamesas.

A pedido dos pais, o caso foi mantido em sigilo pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Respeitando o desejo da família, que ainda pede para se preservar a identidade das meninas, o Correio não dará detalhes que possibilitem a identificação das duas. Ao longo dos últimos 10 meses, a reportagem acompanhou a história e conversou com alguns dos profissionais envolvidos no caso. 

O processo de preparação para a realização da primeira cirurgia desse tipo na capital federal começou ainda no pré-natal. Os exames mostravam que elas estavam unidas pela cabeça, único caso registrado até hoje em Brasília. Prontamente, foi mobilizada uma grande equipe, incluindo neurologistas pediátricos, microcirurgiões, cirurgiões plásticos, obstetras, anestesistas e enfermeiros, entre outros profissionais. “Não era caso para uma pessoa só, mas para um time”, diz ao Correio o neurocirurgião Benício Oton, responsável pela operação.

Ao menos 12 médicos acompanharam as meninas. Uma equipe de especialistas em siameses dos Estados Unidos, um deles com 24 casos no currículo, também foi acionada para ajudar. Cinco médicos norte-americanos estavam no hospital no momento da separação, observando o time brasiliense, que recebeu muitos elogios dos estrangeiros.

Nascimento
As meninas nasceram em junho do ano passado, no Hospital Materno-Infantil de Brasília (Hmib). Após a cesariana, foi possível confirmar quais órgãos e tecidos elas dividiam. Constatou-se, então, que elas tinham em comum parte da pele da testa, do crânio e da meninge, um conjunto de membranas que envolve o cérebro.

Era um bom sinal. Como não compartilhavam nenhum órgão vital, a operação era viável e as chances de que a cirurgia de separação corresse bem eram muito boas. O impedimento inicial era o fato de serem recém-nascidas, logo frágeis demais para um procedimento médico como o que enfrentariam.

ganhassem peso e ficassem prontas para o desafio. Depois de um mês na UTI, foram para a enfermaria do hospital e continuaram a ser acompanhadas enquanto se desenvolviam. Ao mesmo tempo, a equipe não queria esperar muito. A ideia, afinal, era permitir que as irmãs pudessem se desenvolver naturalmente e aprendessem a andar já independentes uma da outra.

Molde tridimensional
A preparação incluiu reuniões, análise de exames, estudo de outros casos e até a construção de um molde tridimensional da cabeça das crianças. Nas análises, percebeu-se também que, após a separação, a recomposição da pele era uma questão crucial. Uma equipe de microcirurgia plástica ficou a postos para realizar um transplante de pele vascularizado. “É uma medida necessária para evitar uma infecção ou um caso de meningite”, explica Oton.

Todas essas medidas ajudaram para que a operação fosse um sucesso. O grande dia foi o sábado passado, 27 de abril, pouco antes de as meninas completarem 11 meses. Depois de mais de 12 horas, a cirurgia chegou ao fim. “Foi um sucesso. Elas estão reagindo como esperávamos”, diz o médico. Agora, separadas pela primeira vez nesse curto tempo de vida, as irmãzinhas continuam cercadas de cuidado, para que possam crescer independentes, unidas apenas pelo amor de irmãs e pela certeza de que, juntas, superaram, logo no início da vida, um grande desafio.

O caso das siamesas de Brasília passo a passo
A CONDIÇÃO
As gêmeas nasceram com uma condição conhecida no meio médico como craniopagia, ou seja, elas eram unidas pela cabeça. Histórias assim são raras, acontecem uma vez a cada 2,5 milhões de nascimentos. No caso das duas brasilienses, elas estavam unidas pelas testas

CAUSA
A gemelaridade imperfeita, como é tecnicamente conhecido o caso de gêmeos siameses, acontece uma vez em cada 100 mil nascimentos. É causada por um erro na divisão celular após o 12ª dia da concepção em embriões de gêmeos de um único óvulo e um espermatozoide.

O NASCIMENTO
As meninas nasceram no Hospital Materno-Infantil em junho de 2018. Como o pré-natal já indicava que elas eram siamesas, toda uma equipe de profissionais, de diferentes áreas, foi mobilizada para realizar o parto, que foi uma cesariana. Pelo menos 12 médicos acompanharam o caso desde a gestação 

DIAGNÓSTICO
Após o nascimento, confirmou-se que as irmãs estavam ligadas pela testa e dividiam pele, parte do crânio e meninge, um conjunto de membranas que reveste o cérebro. O fato de as crianças não dividirem nenhum órgão vital foi uma ótima notícia, pois esse fato diminuía consideravelmente o risco de uma delas morrer durante o procedimento de separação ou mesmo de ficar com sequelas graves após a cirurgia.

PREPARAÇÃO
Toda a preparação incluiu reuniões, análise de exames, estudo de outros casos e até a construção de um molde tridimensional da cabeça das crianças

ESPERA
O principal obstáculo à cirurgia era esperar que as crianças estivessem fortes o suficiente para passar pelo procedimento cirúrgico. Assim, elas foram acompanhadas durante os primeiros meses de vida para que ganhassem peso e ficassem prontas.

A OPERAÇÃO
Finalmente, no sábado 27 de abril, pouco antes de as meninas completarem 10 meses, a cirurgia foi realizada com sucesso no Hospital da Criança de Brasília, por uma equipe de profissionais da cidade.

Com informações do Correio