Depois de passar por investigações do Ministério Público e da Câmara Legislativa, a licitação do transporte público agora também está na mira do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). A Superintendência- Geral da autarquia tem uma apuração em curso relativa à suposta prática de cartel no DF e em outras licitações no mercado dos ônibus. O Jornal de Brasília foi pioneiro na denúncia das irregularidades.

Os principais indícios são de que os mesmos advogados atuaram tanto na elaboração das licitações quanto na defesa das companhias vencedoras. As suspeitas envolvem empresas das famílias Gulin e Constantino; o advogado Sacha Reck; seu pai, o engenheiro Garrone Reck, consultor em transporte público; a empresa Turin Engenharia, o Governo do DF e prefeituras de dezenas de cidades. Todos negam irregularidades.

O Cade ressalta que já vem mantendo contato com o Ministério Público para articular as investigações conduzidas por ambos os órgãos e estabelecer cooperação e compartilhamento de informações e provas sobre o caso.

Sigilo

“A investigação no Cade tem conteúdo sigiloso, de modo que, por ora, não será possível fornecer mais detalhes a respeito. Após a eventual instauração de processo administrativo para imposição de sanções, será possível delimitar o escopo da investigação, bem como as empresas e pessoas acusadas”, informa a autarquia.

Sobre penalidades em casos de condenação, o Cade afirma ter competência para aplicar as penas administrativas previstas na Lei 12.529/11. As empresas condenadas por prática de cartel estão sujeitas ao pagamento de multas que podem variar entre 0,1% e 20 % do faturamento bruto da empresa, grupo ou conglomerado obtido no ano anterior ao da instauração do processo administrativo, no ramo de atividade em que se deu a infração.

Já os administradores eventualmente responsáveis pela infração estão sujeitos a multas de 1 % a 20% daquela aplicada à empresa. No caso de condenação das demais pessoas físicas (não administradores), as multas variam de R$ 50 mil a R$ 2 bilhões.

Os condenados podem também ficar proibidos de contratar com instituições financeiras oficiais e de parcelar débitos fiscais, bem como de participar de licitações por prazo não inferior a cinco anos.

Editais combinados

Documentos colhidos pelas investigações apontam que advogados de empresas de transporte trocavam e-mails com prefeituras combinando editais, propondo cartas-convites e acertando detalhes técnicos das licitações. No DF, o
Tribunal de Justiça anulou a licitação, mas o governo recorreu e o processo ainda corre.

No Paraná, onde o esquema também foi descoberto, parte dos investigados chegou a ser presa preventivamente no mês passado, durante uma operação do Ministério Público, mas foi solta três dias depois por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Os indícios são de que eles formavam uma organização criminosa, que atuava em licitações do transporte público em várias cidades do País”, diz a promotora Leandra Flores, de Guarapuava (PR), onde as investigações tiveram início.

Segundo ela, há e-mails “explícitos” em que advogados combinam com funcionários das prefeituras como será o edital de licitação, antes mesmo de ele se tornar público -como é o caso de Guarapuava, em que já houve apresentação de denúncia.

Simultaneamente ao acerto jurídico, dizem os promotores, a empresa do engenheiro Garrone Reck, pai do advogado Sacha Reck, fazia os estudos técnicos sobre o transporte público para os municípios, com o objetivo de moldar a concorrência.

De acordo com os promotores, o esquema era “frequente”.

Mais provas

Novos e-mails e documentos foram apreendidos numa operação em junho, que podem apontar outras cidades a serem acrescentadas à lista. “Se houver menção [nos e-mails], vamos investigar”, diz o promotor Vitor Hugo Nicastro Honesko, do Gaeco Paraná (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado). Por enquanto, os indícios mais fortes estão nas cidades paranaenses de Guarapuava, Maringá, Foz do Iguaçu e Apucarana, além de Brasília.

Os investigados podem responder por fraude à licitação, peculato, corrupção, falsidade ideológica, usurpação da função pública e crime de responsabilidade, no caso de gestores municipais. O Ministério Público também quer apurar se houve vantagens indevidas a políticos ou funcionários públicos, decorrentes dos acertos.
A Secretaria de Mobilidade preferiu não comentar, pois ainda não teve acesso ao processo no Cade.
Outro lado
As defesas do advogado Sacha Reck e do engenheiro Garrone Reck disseram à Folha de S. Paulo que não iriam dar declarações, mas se manifestariam nos autos.
Seus advogados já argumentaram, num recurso ao STJ, que a acusação de organização criminosa foi usada “para pintar um quadro emergencial” que justificasse a prisão preventiva, e que há “evidente fragilidade” nos argumentos do Ministério Público. Eles negam direcionamento e afirmam que os serviços foram legítimos.
A Folha não conseguiu contato com advogados das empresas das famílias Gulin e Constantino. O advogado da empresa Turin Engenharia não deu retorno às ligações.
Renato Araújo/Agência Brasília
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