Casa participa amanhã do Dia Mundial sem Carro.

O padrão de mobilidade centrado no transporte motorizado individual mostra-se insustentável, tanto no que se refere à proteção ambiental quanto ao atendimento das necessidades de deslocamento que caracterizam a vida urbana do Distrito Federal. Essa foi a principal conclusão a que chegaram os participantes da audiência pública realizada nesta quinta-feira (21), no plenário da Câmara Legislativa, para debater a mobilidade urbana e a paz no trânsito no DF.

O evento fez parte das comemorações à Semana Nacional do Trânsito. Antes da audiência pública, foi realizada a solenidade de abertura da programação, que conta com uma série de atividades na sede do legislativo, entre elas a montagem da escola vivencial de trânsito, iniciativa do DER/DF, que visa a ensinar as crianças sobre trânsito com brincadeiras, teatro e simulação de cenas do cotidiano, por meio de um circuito montado na área externa da Casa. A programação prossegue nesta sexta-feira (22), com a comemoração do Dia Mundial sem Carro. A Câmara Legislativa espera mobilizar servidores e deputados a irem trabalhar de ônibus, metrô, bicicleta ou a pé.

Ao abrir a programação, o presidente da Câmara Legislativa, deputado Joe Valle (PDT), ressaltou a importância de se debater a mobilidade urbana para se avançar na construção de uma legislação que contemple os interesses sociais com base em soluções voltadas para a sustentabilidade, no momento de transição de um modelo competitivo de consumo para um modelo colaborativo.

Depoimentos - No decorrer da audiência pública de hoje, foram ouvidos depoimentos de vários representantes de entidades ligadas às questões de mobilidade e trânsito no DF. Atuaram como mediadores os deputados Joe Valle e Wellington Luiz (PMDB). A audiência pública inaugurou um novo modelo de participação da população nos debates da Câmara Legislativa, por meio de uma ferramenta de chat, na página da TV Web. A partir de agora, os internautas poderão interagir entre si e fazer perguntas aos debatedores durante os eventos do gênero promovidos pela CLDF.

O primeiro a falar foi o fundador da ONG Rodas da Paz, Jonas Bertucci. Ele ressaltou que a mobilidade urbana deve ser encarada como direito social dentro da perspectiva das cidades. No caso de Brasília, segundo ele, deve-se construir um projeto de mobilidade adaptado às características da cidade, levando-se em consideração os benefícios à saúde da população e uma maior segurança no trânsito.

Redução da velocidade – Bertucci também sugeriu a criação de uma política de redução dos limites de velocidade nas vias, como vem ocorrendo em várias cidades em todo o mundo; diminuição da largura das faixas de rodagem; combate ao uso excessivo de automóveis e incentivo ao uso de meios de transporte sustentável, alternativo e público. Ele elogiou algumas ações do governo de Brasília para melhorar a mobilidade urbana, como a construção de calçadas e início das obras da ciclovia na EPTG. Por outro lado, fez duras críticas à construção do Trevo de Triagem Norte, que facilita e incentiva ainda mais o uso de automóveis, com graves consequências para o trânsito em Brasília, pois o projeto não incorporou os ciclistas e pedestres.

O ativista da Mobilidade Ativa no DF, Uirá Lourenço, disse que o modelo adotado no DF de incentivo ao uso de automóveis traz grande "imobilidade" ao Distrito Federal. Com base nisso ele deixou aos participantes da audiência algumas questões para reflexão como as dificuldades que os pedestres e cadeirantes encontram para andar na área central de Brasília e que os ciclistas encontram para se locomover nas vias da cidade. Criticou a degradação das calçadas e dos raros bicicletários que existem em situação precária, o que demonstra total descaso do governo em relação à mobilidade desses segmentos.

Iniciativas - Uirá apresentou algumas iniciativas que partiram de cidadãos da cidade face à inércia do GDF. Entre elas mutirões de reforma de calçadas na Asa Norte; aplicações de "multas simbólicas" aos motoristas que estacionam em locais proibidos, além de competições informais e educativas como o "salto de crateras" e a Jane's Walk Brasília, que está em sua 7ª edição.

Para a construção de uma política eficiente de mobilidade urbana no DF, Uirá acredita que é imprescindível que ela inclua algumas medidas básicas como a redução dos limites de velocidade nas vias; diminuição das áreas de estacionamentos públicos e gratuitos e do espaço ocupado pelos carros nas vias; a construção de um ambiente urbano "humanizado"; incentivo à diminuição do uso de automóveis e utilização de transporte público coletivo, além de bicicletas e de outros modos ativos; instalação de bicicletários em todo o DF e proporcionar condições mínimas de mobilidade aos cadeirantes, ciclistas e pedestres. "Precisamos saber o que queremos: uma cidade parque ou uma cidade parking?", indagou.

Direito social - Para o diretor do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos (MDT), Nazareno Stanislau Affonso, deve-se estabelecer um pacto da sociedade para que se tenha o transporte público como direito social, a partir da criação de um "sistema único de mobilidade". Ele apresentou alguns pontos do manifesto preparado para a 17ª Jornada Brasileira "Na Cidade, Sem Carro". O manifesto ressalta alguns pontos da Lei da Política Nacional da Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012), que lança como premissas para democratização do uso das vias, segundo Affonso: ruas calmas, mobilidade ativa inclusiva (ciclovias, ciclofaixas, ciclorrotas e calçadas acessíveis); faixas exclusivas para transporte coletivo e paz no trânsito. Ele elogiou a aplicação da chamada "lei seca" no DF, ressaltando a necessidade de se reforçar a fiscalização no trânsito para diminuir o número de acidentes e mortes.

O professor da Universidade de Brasília (UnB), Paulo César Marques da Silva, afirmou que a sociedade precisa mudar alguns valores culturais, inclusive os que dificultam a mobilidade urbana e trazem impacto no trânsito, sobretudo nas grandes cidades. De acordo com ele, a população tem que aprender a compartilhar o espaço utilizado no trânsito, que atualmente tem 90% de sua área voltados para o uso de veículos motorizados, com explícita marginalização das pessoas em detrimento dos veículos.

Destacou que atualmente os motoristas idolatram a velocidade, com a falsa ideia de que ela proporciona uma economia de tempo, o que não é verdade, já que a economia de tempo real ao final dos percursos é mínima. O professor também criticou a obra do Trevo de Triagem Norte, pois, segundo ele, o compartilhamento das vias será feito de forma injusta, uma vez que prioriza os motoristas em detrimento de ciclistas e pedestres.

Segregação - A representante do Movimento Nossa Brasília, Leila Saraiva, ressaltou que a atual política de mobilidade urbana promove a segregação espacial. Isso acontece, segundo ela, porque há a privatização do espaço público por parte dos motoristas, excluindo grande parcela da população. Na opinião de Leila, a mobilidade urbana deve ser o ponto central das políticas públicas porque ela interfere em todos os aspectos da vida do cidadão. Observou, ainda, que a exclusão social se dá também em função do desincentivo ao uso do transporte coletivo, em função, principalmente, do alto preço das passagens no DF, que gira em torno dos R$ 5,00.

A audiência pública contou também com a participação do subsecretário de Planejamento da secretaria de Mobilidade, Eduardo Rodrigues; do administrador do Lago Norte, Marcos Woortmann; do diretor geral do Departamento de Estradas e Rodagem do DF (DER), Henrique Luduvice; e do diretor de Operação e manutenção do Metrô-DF, Carlos Alexandre da Cunha, além de dezenas de interessados no tema.
CLDF